Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Situação de apartheid na África do Sul era semelhante à de Gaza

País africano viveu violência, show pop e boicote na sua luta pela independência nacional

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"Winnie & Nelson: Portrait of a Marriage" mostra como a luta contra o apartheid foi encarnada pelo mais conhecido casal sul-africano. Mas o livro, político, é também um balanço da luta pela independência nacional.

A África do Sul ficou independente da Inglaterra em 1931, mas a criação política da nação só se deu com a eleição de Nelson Mandela para a presidência, em 1994. Nesses mais de 60 anos houve ali diversos modos de luta, da insurreição à luta armada e à negociação.

Bruna Barros

A classe dominante, de brancos oriundos da Holanda e do Reino Unido, impedia que a maioria do povo tivesse livre acesso ao trabalho, à terra e à educação. Confinados em áreas segregadas, os bantustões, os negros não tinham liberdade, eram subalternos.

A situação era semelhante à de Israel. A faixa de Gaza, a Cisjordânia e as colinas do Golan são bantustões de um apartheid que faz dos palestinos cidadãos de segunda classe.

Na África, os segregados construíram organizações que disputaram a condução dos combates. A que se tornou hegemônica foi o Congresso Nacional Africano, o CNA de Winnie e Nelson Mandela.

Na Palestina, a direção do processo esteve com a OLP de Arafat, com a Autoridade Palestina –corrompida e cooptada pelos governos israelenses– e agora está nas mãos do Hamas em Gaza.

O CNA teve de tomar decisões quanto ao conteúdo do movimento contra o racismo: se seria socializante; se só os negros participariam da batalha pela emancipação, prescindindo de aliados brancos, mestiços ou imigrantes indianos; e, por fim, se a luta seria pacífica ou armada.

Walter Sisulu, dirigente do CNA, foi à China se aconselhar. Líderes comunistas disseram que os negros sul-africanos não deveriam se empenhar na revolução socialista, por ela ser um processo longo e penoso, no qual a chance de derrota é imensa. Era melhor não se arriscar: a independência bastava.

Os chineses que falaram com Sisulu usaram uma versão recauchutada do dito de Mao Tse-tung: "A revolução não é um coquetel, escrever um ensaio, pintar um quadro ou bordar; é um ato de violência com o qual uma classe derruba outra". Sisulu convenceu seus companheiros a restringirem sua luta à questão democrática, abandonando o programa de reviravolta na economia.

Assim como abandonou a perspectiva de revolução, o CNA veio também a repudiar o identitarismo negro, e acolheu todos os que eram contra o apartheid. Mas manteve o apoio à luta armada. "A violência virá, quer a iniciemos ou não", argumentou Mandela. "Se não a liderarmos, seremos caudatários de um movimento sem controle."

Encarregado de organizar a luta armada, ele abandonou os ternos bem cortados dos brancos e viajou seis meses pela África com a barba crescida e uniformes militares. Segundo Jonny Steinberg, autor de "Winnie & Nelson", queria ser o Fidel Castro africano.

Crescentemente cético quanto à eficácia da violência, mesmo assim não a abandonou por completo porque os levantes nos guetos se tornaram agressivos e reuniram milhares de jovens. O CNA, de fato, se arriscava a perder a direção do movimento para grupos radicais –como os insuflados por Winnie.

Ao mesmo tempo, aumentaram as ações internacionais de boicote. Como o dos carros Land Rover, que eram usados pela polícia do apartheid e pela família real britânica. O boicote à sua compra abalou a imagem da marca. E a generalização do desinvestimento levou o Chase Manhattan Bank a suspender empréstimos ao governo sul-africano

O ápice da tática de alianças foi o aniversário de 70 anos de Mandela, em 1988. Ele foi comemorado com um megashow no estádio Wembley, em Londres. Transmitido para 67 países, teve uma audiência de 600 milhões de pessoas. Nele, incentivou-se o boicote a produtos associados ao apartheid.

Não cabe a comentaristas brasileiros dizer o que os palestinos devem fazer. Mas é imperativo notar que o ataque do Hamas em 7 de outubro, com assassinatos e sequestro de civis, e a resposta israelense a eles, com bombardeio de casas, escolas e hospitais, são crimes de guerra

No âmbito nacional, é possível ir além do apelo ao cessar-fogo e à negociação. O boicote pode ser mais eficaz que a retórica. Ele poderia começar pela suspensão do comércio de armas e de tecnologia de segurança entre o Brasil e Israel.

Até porque Bolsonaro e seus generais compraram de uma firma israelense, a Cognyte, o programa FirstMile. Com ele, a gangue que usurpou o Planalto espionou ilegalmente a vida de centenas de brasileiros.

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